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BOM E BARATO
por Celso Masson - Veja

Com imagens antigas e montagem refinada, filme faz uma reflexão instigante sobre o século XX

O século XX cabe num filme? O diretor paulistano Marcelo Masagão, de 40 anos, acredita que sim. Tanto que fez uma reflexão sobre os últimos 100 anos em Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos (Brasil, 1999), cuja estréia está marcada para esta semana em São Paulo e no Rio de Janeiro. A fita, que não se encaixa em nenhum gênero tradicional, está longe de ser uma retrospectiva nos moldes das que são exibidas na televisão. Para Masagão, a trajetória humana não se resume à sucessão dos feitos de gente famosa. De acordo com o que propõem os estudiosos da história das mentalidades, é constituída também pelas memórias das pessoas anônimas. Assim, o bailarino russo Nijinski, o ator americano Fred Astaire e o jogador de futebol Mané Garrincha dividem a tela com um camponês boliviano, uma empacotadora de cigarros soviética e garimpeiros de Serra Pelada. Gente que calhou de estar na frente de uma câmara pelo menos uma vez na vida.

Como matéria-prima da maior parte do filme, Masagão utilizou imagens de fitas antigas ou de arquivos fotográficos de diversas partes do mundo. Depois, montou-as de maneira que compusessem uma espécie de narrativa poética. A sobreposição de imagens, às vezes pontuadas por legendas, é tão engenhosa que dispensa o locutor em off. Masagão mostra, assim, que conhece bem a obra dos diretores russos Dziga Vertov e Sergei Eisenstein, os quais demonstraram ser possível expressar idéias e conceitos abstratos por meio da montagem cinematográfica. Para retratar a onipotência humana, por exemplo, Masagão fundiu a imagem de um francês do início do século, que se lançou vestido de passarinho do alto da Torre Eiffel, com a do ônibus espacial americano que explodiu em 1986. Em outro momento, ao especular sobre a metafísica contemporânea, ele apresenta o pintor Artur Bispo do Rosário, que fez uma roupa para encontrar-se com Deus, com a imagem de um Ícaro nas costas. Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos, que custou apenas 140.000 dólares, prova que cinema não é ato de fé, mas fruto de um produto raro chamado massa cinzenta.